Cinco medidas que podem tornar a produção de refeições coletivas mais sustentáveis no Brasil

Data de Publicação: 16 de junho de 2023


Professora da UFRGS mostra como boas práticas ambientais podem ser adotadas em cada etapa da cadeia produtiva 

Um pequeno número de iniciativas pode fazer toda a diferença para que o processo de produção de refeições para alimentação coletiva seja mais sustentável e contribua, assim, para o combate à emergência climática que vivemos. A afirmação é de Janaína Guimarães Venzke (foto abaixo), CRN-2 3060 D, nutricionista e professora associada do Departamento de Nutrição da Faculdade de Medicina da UFRGS e que recentemente defendeu tese de pós-doutorado sobre o tema na Universidade do Porto, em Portugal. 

Ela defende a adoção de cinco medidas: implementação de ficha técnica; manutenção de equipamentos e estruturas; priorização de produtos da agricultura familiar; uso de produtos biodegradáveis; e utilização de indicadores, como sobras e resto/ingesta para o planejamento.  

De acordo com Janaína, a sustentabilidade perpassa toda a cadeia produtiva, devendo ser observada desde o cultivo, passando pela distribuição, transformação do alimento, até o momento em que o alimento chega ao seu destinatário final. 

Do ponto de vista do processo produtivo de refeições coletivas, as boas práticas ambientais perpassam todo o processo, começando na escolha das matérias-primas. 

“Nesse aspecto, as boas práticas ambientais vêm desde a escolha do fornecedor, da verificação de quem é esse fornecedor, se ele está comprometido também com as boas práticas ambientais, a questão do alimento mais próximo, do produtor local, agricultura familiar, questão dos orgânicos. Outro ponto é a redução das embalagens, porque a gente produz muito lixo nos serviços de alimentação coletiva”, destaca. 

Numa segunda etapa do processo produtivo, é importante que o nutricionista zele pelo consumo racional de todos os recursos envolvidos. 

“No pré-preparo, temos a questão do descascar, das quantidades de forma controlada, do pessoal treinado. Envolve também a ambiência, iluminação, temperatura. E, sem dúvida, o consumo de energia elétrica e outros combustíveis, como gás. Nós temos ainda um alto consumo de água dentro dos serviços de alimentação”, conta. 

 

Na etapa de produção, o foco deve ser nas quantidades, a fim de que se evite o desperdício. Já na distribuição, a preocupação é com a forma como o alimento será ofertado, o que novamente envolve o problema das embalagens, e o resto/ingesta, que, se em níveis elevados, denota a falta de qualidade. 

“O desperdício nos serviços de alimentação coletiva é muito complexo, porque não estamos desperdiçando apenas o alimento, mas todos os recursos utilizados na cadeia de produção dele. Então precisamos estar concentrados em manter as boas práticas ambientais em todas as etapas do processo”. 

Outra preocupação diz respeito à higienização, que deve ser feita com produtos biodegradáveis e com quantidade reduzida de plástico para recolhimento do lixo. 

Brasil x Portugal

Em seu estudo para o pós-doutorado, Janaína fez um comparativo entre Brasil e Portugal. Segundo ela, o país europeu tem alguns entraves que não existem aqui no Brasil no que diz respeito à opção dos produtos locais. “A questão da agricultura familiar para eles é uma barreira pelo fato de não haver grandes extensões de terra para o cultivo. A produção agrícola é pequena, então precisam importar muito”, esclarece Janaína Venzke.

Já a consciência ambiental em relação ao uso dos recursos naturais está muito presente, diz. “Nós temos sérios problemas no Brasil com manutenção em serviços de alimentação, sejam eles públicos ou privados. É comum encontrarmos aquela torneirinha pingando, por exemplo. Lá, eles têm um cuidado incrível com isso”. Janaína visitou 24 serviços de alimentação em hospitais e universidades públicas e privadas. 

Outro ponto que chamou a atenção foi a utilização da ficha técnica, que é muito comum em Portugal e ainda pouco utilizada no Brasil. A diferença entre o uso do plástico também é marcante. “Lá é proibido o uso de plástico descartável. Eles usam muito vidros, porcelanas ou plástico reaproveitável. Também usam medidores de energia e água específicos para cada unidade, proporcionando maior controle”, conta. 

 

Para Janaína, a grande disparidade entre as duas realidades pode estar relacionada, entre outros fatores, a uma ideia, no Brasil, de que a adoção de boas práticas ambientais no ramo da alimentação coletiva ainda é vista como um custo, não como investimento. “Talvez caiba a nós, nutricionistas, demonstrarmos a importância e as vantagens da adoção dessas boas práticas”, completa.

Diante de tudo o que Janaína nos traz, o nutricionista passa a ter um papel relevante em um tema que o mundo está debatendo há anos e que chegou em um ponto crucial: a emergência climática. Você já parou para pensar em como a sua atuação pode também impactar esse problema mundial?

   
   Uma pesquisa feita anualmente em Portugal sobre temas como sustentabilidade ambiental, bem-estar, práticas de consumo, estilos de
   vida e expectativas para o futuro do país mostrou que 52,4% dos entrevistados, sobretudo os mais jovens, consideram o desperdício
   alimentar um dos aspetos mais preocupantes do consumo alimentar, seguido do excesso de açúcares ou gorduras nos alimentos (36,2%)
   e da presença de pesticidas nos hortifrutícolas e cereais (23,9%). Mais de 22% responderam que cultivam horta.