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Manifesto em defesa da segurança alimentar e nutricional e da solidariedade cidadã


Data de Publicação: 4 de novembro de 2025
Crédito da Matéria: Soraya Bertoncello - Assessora de Comunicação CRN-2


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O Conselho Regional de Nutrição da 2ª Região (CRN-2), no exercício de sua função legal de orientar e fiscalizar o exercício profissional da Nutrição, de defender o direito humano à alimentação adequada e de contribuir para a proteção do interesse público quando práticas alimentares e políticas afins estão em debate, manifesta-se publicamente sobre o Projeto de Lei nº 403/24, em tramitação na Câmara Municipal de Porto Alegre, e sobre o Substitutivo nº 01 apresentado posteriormente.

O PL nº 403/24, de autoria da vereadora Comandante Nádia, propõe regulamentar a distribuição de alimentos a pessoas em situação de vulnerabilidade social no Município, estabelecendo requisitos administrativos tais como cadastro prévio, autorização municipal de locais e horários e obrigações acessórias, além de prever multa e possibilidade de restrição de atividades em caso de descumprimento. Já o Substitutivo nº 01, da vereadora Natasha Ferreira, apresenta uma abordagem distinta, reconhecendo a relevância pública e social dessas iniciativas cidadãs, prevendo campanhas educativas, articulação voluntária com equipamentos públicos e vedando restrições administrativas, salvo em situações de risco sanitário grave comprovado por laudo técnico. É importante sublinhar que a segurança sanitária no preparo, armazenamento e distribuição de alimentos deve sempre ser observada, independentemente de iniciativa pública ou voluntária. Boas práticas higiênico-sanitárias reduzem riscos de contaminação e protegem tanto as pessoas assistidas quanto os voluntários.

A lógica do texto original, embora apresentada sob o argumento de “organização” e “segurança sanitária”, burocratiza iniciativas solidárias, desestimula o voluntariado e transfere responsabilidades do poder público para pessoas em situação de extrema vulnerabilidade. Ainda que a proponente tenha sinalizado, na imprensa, disposição para rever alguns pontos, tais manifestações não alteram o texto em votação, cuja lógica restritiva permanece e segue sendo motivo de legítima preocupação social.

Além disso, o Projeto de Lei, em sua forma original, contraria princípios consagrados na Lei nº 15.224, de 30 de setembro de 2025, que institui a Política Nacional de Combate à Perda e ao Desperdício de Alimentos (PNCPDA). Essa política busca facilitar e incentivar a doação de alimentos e desestimular a criação de barreiras administrativas à solidariedade, reforçando que o enfrentamento à fome exige cooperação social, e não restrição.

A fome não deve ser enfrentada por meio de punições e condicionamentos, mas com políticas públicas estruturadas, educação alimentar e mobilização social. O papel das iniciativas voluntárias é complementar, emergencial e historicamente relevante no Brasil, sobretudo em contextos de calamidade, como Porto Alegre recentemente vivenciou.

Do ponto de vista técnico, é fundamental destacar que ações de distribuição de alimentos se inserem no escopo da Segurança Alimentar e Nutricional (SAN), definida pela Lei nº 11.346, de 15 de setembro de 2006, como a realização do direito de todos ao acesso regular e permanente a alimentos de qualidade, em quantidade suficiente, sem comprometer o acesso a outras necessidades essenciais. Evidências nacionais e internacionais demonstram que a abordagem mais eficaz para qualificá-las não é a imposição de restrições administrativas, mas sim a adoção de estratégias educativas, orientações de boas práticas de manipulação e articulação com equipamentos públicos. Medidas punitivas não apenas apresentam baixa eficácia como tendem a desmobilizar iniciativas cidadãs, impactando negativamente populações já vulnerabilizadas.

A aplicação de normas restritivas historicamente reforça processos de exclusão, estigmatização e invisibilização de pessoas em situação de rua. Quando políticas públicas tratam a fome como questão de “ordem urbana”, deslocam o foco da responsabilidade estatal e ampliam o controle sobre corpos vulnerabilizados, legitimando práticas higienistas sob o discurso da organização. Em uma cidade democrática, o espaço público deve ser lugar de encontro, cuidado e solidariedade, e não de seleção moral. Ao afirmar o direito de oferecer e receber alimentos, reafirmamos uma concepção de cidade inclusiva, plural e comprometida com a dignidade humana.

Assim, o CRN-2 manifesta:

  1. Preocupação com a criação de barreiras burocráticas que possam restringir a doação de alimentos.

  2. Reconhecimento do caráter essencial das iniciativas cidadãs frente à insegurança alimentar.

  3. Apoio a abordagens que privilegiem educação, articulação e diálogo com serviços públicos.

  4. Contrariedade a medidas punitivas que possam criminalizar a solidariedade.

  5. Alinhamento com o marco legal nacional que incentiva e reconhece a doação de alimentos como prática socialmente relevante.

  6. Responsabilidade com a observância de boas práticas higiênico-sanitárias no preparo, armazenamento e distribuição de alimentos, reduzindo riscos de contaminação e protegendo a saúde de todos os envolvidos.

  7. Compromisso inegociável com o direito humano à alimentação adequada.

Reiteramos o compromisso da Nutrição enquanto profissão e campo do conhecimento com a promoção da dignidade humana, a redução da insegurança alimentar, o enfrentamento das desigualdades e a ética do cuidado.

Porto Alegre, 04 de novembro de 2025
Conselho Regional de Nutrição da 2ª Região (RS) - CRN-2


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