Alimentação escolar poderá ter, no máximo, 15% de produtos ultraprocessados
Data de Publicação: 5 de fevereiro de 2025
Crédito da Matéria: Aliança pela Alimentação Adequada e Saudável
Fotos: Ricardo Stuckert/PR
Fonte: Aliança pela Alimentação Adequada e Saudável
O governo federal anunciou, nesta terça-feira (04/02), que vai reduzir de 20% para 15% o limite de compra de alimentos processados e ultraprocessados no cardápio das escolas públicas neste ano, por meio do Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE).
Até 2026, esse limite do orçamento destinado cairá ainda mais, para 10%. O objetivo é oferecer uma alimentação mais saudável e equilibrada, valorizando a segurança alimentar e nutricional dos estudantes, priorizando alimentos mais nutritivos, produção local e maior diversidade de cultura alimentar das regiões do país.
A determinação consta em uma nova resolução do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), autarquia vinculada ao Ministério da Educação (MEC). O programa atende 40 milhões de crianças e jovens em 150 mil escolas dos 5.570 municípios do Brasil. São 50 milhões de refeições diárias e cerca de 10 bilhões por ano, com custo anual de cerca de R$ 5,5 bilhões.
O anúncio foi feito durante a 6ª edição do Encontro Nacional do PNAE, em Brasília, que contou com as presenças do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, do ministro da Educação, Camilo Santana, de outras autoridades, além de merendeiras, nutricionistas e integrantes da comunidade escolar de diversas regiões do país, como professores, gestores e os próprios estudantes. O evento não ocorria há 15 anos.
“Nossa dívida histórica com a educação é quase impagável em um século. Até o começo do século passado, ninguém se importava se criança tinha que ir pra escola. Aliás, não era obrigatório ir para escola. Menina não podia ir pra escola pra não aprender a escrever carta para o namorado. E menino não tinha que ir pra escola porque tinha que ir trabalhar, cortar cana, qualquer outra coisa”, afirmou Lula.
“E isso justifica, quando a gente investe na alimentação escolar, porque ninguém consegue estudar com barriga vazia. Uma criança que sai de casa sem tomar café, que não jantou uma janta de qualidade com as calorias e a proteínas necessárias à noite, o que ela vai aprender na escola? Quem nunca passou fome não sabe a capacidade de não aprender nada com fome. É duro. Paulo Freire dizia: quando a gente come, a gente fica inteligente”, acrescentou o presidente.
Vale ressaltar que a redução do limite de compra anunciada pelo governo federal não significa que os processados e ultraprocessados vão representar, necessariamente, 15% da alimentação oferecida aos alunos. Isso porque esses produtos têm um custo menor do que alimentos in natura ou minimamente processados.
Qualidade da alimentação
“Nós sabemos os impactos desses alimentos [ultraprocessados] na alimentação dessas crianças, o problema da obesidade. Portanto, o PNAE vai garantir qualidade nessa alimentação”, destacou o ministro Camilo Santana, em discurso ao anunciar a medida.
O ministro também informou que o programa vai priorizar a compra da agricultura familiar com recorte para mulheres agricultoras. A lei já prevê que 30% dos alimentos comprados da agricultura alimentar devem ser provenientes da agricultura familiar. “O PNAE já é um grande indutor e essa nova diretriz potencializa ainda mais esse impacto, garantindo que mulheres agricultoras tenham papel central na alimentação de nossas escolas”.
“Nós ficamos muito tempo na escola, e com o lanche que as merendeiras fazem, nos ajuda na concentração, na hora da atividade, da explicação do professor, no foco”, descreveu o estudante Miguel Moura, 13 anos, aluno do 8º ano do Centro de Ensino Fundamental 3 (CEF3), de Sobradinho, no Distrito Federal.
Saíram biscoitos industrializados, entraram canjica, cuscuz, maior oferta de frutas, feijão in natura, entre outros gêneros alimentícios, explica Jaqueline de Souza, nutricionista que participa do programa. “Melhorou muito a alimentação escolar no país”, afirmou, em um vídeo institucional divulgado pelo MEC.
“Muitas vezes, a merenda escolar é a única refeição de qualidade do estudante naquele dia”, afirmou a presidente do FNDE, Fernanda Pacobahyba.
Para Ana Morato, diretora programática do Instituto Desiderata e integrante do Núcleo Gestor da Aliança pela Alimentação Adequada e Saudável, a redução dos ultraprocessados na alimentação escolar é crucial para a saúde das crianças.
“Esses alimentos são frequentemente ricos em açúcar, gorduras saturadas e sódio e pobres em nutrientes essenciais, o que, em alguma medida, pode levar a problemas de saúde ainda na infância, como a obesidade, diabetes e até mesmo doenças cardiovasculares. Ao diminuir essa oferta nas escolas, estamos promovendo uma alimentação mais equilibrada, nutritiva e saudável, essencial pro desenvolvimento físico e mental das crianças no Brasil”, afirma Morato.
Um estudo do Ministério da Saúde apontou que, a cada sete crianças brasileiras com menos de 5 anos, uma está com excesso de peso ou obesidade, o equivalente a 14% do total. Entre os adolescentes, esse índice chega a 33%, o que reforça a importância da busca por alimentos mais saudáveis.
Ana Morato, que é especialista em saúde coletiva, destaca ainda que hábitos alimentares construídos na infância são levados para a vida adulta. “Além disso, alimentação saudável na infância estabelece hábitos alimentares que podem perdurar a vida toda. Quando crianças são expostas a alimentos in natura e nutritivos desde cedo, elas têm maior chance de continuar fazendo escolhas alimentares saudáveis ao longo da vida adulta. Isso melhora não só a saúde individual, mas também pode reduzir a carga sobre o sistema de saúde pública a longo prazo”, comenta.
Atualmente, no mínimo 30% dos recursos do PNAE devem ser destinados, de forma obrigatória, à aquisição de itens da agricultura familiar.
O governo anunciou ainda que vai capacitar merendeiras e nutricionistas do PNAE em segurança alimentar e nutricional por meio do Projeto Alimentação Nota 10, que contará com investimentos de quase R$ 5 milhões da Itaipu Binacional.
Programa sem reajuste
No ano passado, o Congresso Nacional aprovou a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2025 rejeitando a inclusão do reajuste do PNAE. O orçamento do programa é de R$ 5,3 bilhões. Sem reajuste há dois anos, o orçamento do PNAE vem se enfraquecendo diante da inflação dos alimentos. Como resultado, no próximo ano serão maiores os desafios para a garantia do direito à alimentação escolar saudável e adequada.
Uma publicação do Observatório da Alimentação Escolar (ÓAÊ) em parceria com o Nupens/USP, constatou que houve uma redução de 10,5% na aquisição de alimentos processados e ultraprocessados com recursos federais do Pnae entre 2015 e 2019. Em 2019, 40% dos municípios brasileiros utilizaram menos de 20% dos recursos do PNAE para a compra de processados e ultraprocessados, mostrando que é possível a oferta de uma alimentação mais saudável e adequada nas escolas.
Essas municipalidades já se encontravam preparadas para o atendimento da Resolução n° 06/2020 do FNDE. A resolução, válida desde 2021, limita a 20% os gastos com processados e ultraprocessados dos recursos repassados pelo FNDE aos estados e municípios para compra de alimentos para o PNAE, alinhando assim o programa às diretrizes do Guia Alimentar para a População Brasileira.
Porém, em estudo lançado em 2024, o ÓAÊ apontou que, nos últimos 14 anos, o PNAE perdeu 42% do seu poder de compra, diante de reajustes esporádicos abaixo da inflação dos alimentos. E, em dezembro de 2024, o Congresso rejeitou o reajuste do programa pelo segundo ano consecutivo. Para voltar a ter o poder de compra de 2010, o programa precisaria ter um reajuste de R$ 4,2 bilhões.
A redução do limite permitido para a aquisição de processados e ultraprocessados é um importante passo, mas a garantia de uma alimentação escolar saudável e adequada também perpassa por assegurarmos um orçamento que permita a devida execução do programa.
Esse contexto reafirma a necessidade de uma lei que estabeleça o reajuste anual e automático do PNAE, utilizando como indicador a inflação dos alimentos. Isso evitaria a perda do poder de compra do programa, sobretudo em um contexto de alta na inflação dos alimentos e avanço da crise climática.